Por que as mudanças nos assustam tanto?
"A transitoriedade das coisas que você mais
estima pode inspirá-lo a buscar algo que não possa ser tirado". Tartang Tulku
Acredito que você concordará comigo se eu disser que a
mudança costuma ser um tema um tanto difícil de assimilar. Mudança é uma
palavra que insere em si sentimentos difíceis de elaborar. Mas o principal
deles, e o mais temido, é o medo da morte. Não exatamente o medo da morte
física, que é a última das mortes que experimentamos em nossa passagem por este
planeta, mas da morte ou transformação psíquica que antecede as mudanças
efetivas e visíveis que fazemos em nossas vidas. Sim, porque quando mudamos
alguma coisa em nossas vidas, é certo que alguma coisa se transformou
primeiramente dentro de nós.
Mas por que é sempre tão difícil pensar na morte e nas
mudanças? Por que a morte exerce tanto fascínio e temor em nossos corações? Os
romanos tinham o seguinte provérbio: memento mori, que quer dizer:
lembre-se que vai morrer.
Se você parar para refletir sobre a morte, perceberá
que a cada momento, a cada minuto, tudo está morrendo abrindo espaço para o
novo entrar. É a velha e conhecida lei da transitoriedade, que nos ensinam os
orientais mais tradicionais.
O que quero dizer com isso é que, por trás de toda
dificuldade de aceitação dessa inevitável lei, está nosso medo ancestral de
morrer, ou seja, toda mudança evoca nosso instinto básico de sobrevivência e
lutamos bravamente, para preservar situações que, na maioria das vezes destroem
nossos melhores sentimentos e emoções, por medo de morrer.
Mas o que não percebemos é que, no desespero de
preservar tudo o que construímos, seja um trabalho, um casamento, uma
profissão, morremos um pouco a cada dia, na ilusão da preservação da vida.
Entregar-se à vida e a tudo o que ela pode nos trazer de novo, inclusive à
possibilidade da morte, é nosso maior desespero. Abandonar-se. Por que isso é
tão difícil e desesperador? Mesmo um abandono temporário, como a pratica da
meditação, por exemplo, é desesperador para muitas pessoas. E dizemos:
"meus pensamentos não me deixam em paz, não consigo me entregar, esvaziar,
silenciar".
Sentimos medo. Somos todos construídos pelo medo. Medo
da vida, medo da morte, medo do novo.
Se definitivamente, compreendermos que toda
experiência é impermanente, que nosso trabalho será maravilhoso enquanto nos
der prazer e alegria, que nosso casamento será eterno enquanto o amor e o
respeito prevalecerem, e que quando isso deixar de existir, devemos buscar
outras fontes de felicidade e alegria, abrindo espaço para que o novo penetre
novamente nossa alma preenchendo-a de alegria e êxtase.
Quando pudermos compreender essa maravilhosa lei,
nesse momento, e somente nesse momento, poderemos encontrar verdadeiramente
nossa felicidade. Essa lei, da qual não podemos fugir nem evitar, faz com que
nossa vida tenha movimento. É a grande lei que trabalha a favor da evolução,
pois ela nos atira de experiência em experiência, sem descanso, até que um dia
finalmente compreendemos que tudo o que buscamos está bem dentro de nós. E isso
nunca muda. Somente quando nos sentimos livres, quando temos a coragem de
arrancar algumas máscaras que fomos obrigados a vestir, algumas mais
cristalizadas do que outras.
Quando deixamos de aceitar alguns papéis impostos,
começaremos a construir uma verdadeira liberdade, que brota do âmago de nosso
ser interior, de nossa alma, do que há de mais profundo dentro de nós. Não falo
de uma falsa liberdade que ainda obedece a interesses sociais, mas a verdadeira
liberdade de ser, de seguir seu verdadeiro destino que é ser você mesmo, sem
máscaras, sem estereótipos. É claro que esse estado implica em sofrimento até
que se encontre o êxtase. Implica em solidão, em contato com a dor do
descontrole sobre todas as coisas e pessoas que tentamos desesperadamente
controlar. Requer o aprendizado e o exercício da maior dificuldade humana, e a
maior qualidade necessária para o desenvolvimento espiritual, que é o desapego.
Todos os esforços que fizermos em direção contrária ao
desapego, ao descontrole, à entrega, serão em vão, pois são contra o princípio
básico da vida. Procure e pratique o silêncio, e nele tente encontrar esses
sentimentos, carregados dos medos e desesperos que são de todos nós. Não tenha
medo de ficar sozinho com você mesmo, pois você nunca estará sozinho, já que
seus sentimentos são os sentimentos de todos nós.
Cada um de nós deve conquistar sua própria solitude,
que não deve nunca ser confundida com solidão. Solitude é um suave estado e
sentimento de prazer e liberdade que nos traz a ausência do medo de estar só.